quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Se você me esquecer

Eu quero que você saiba de uma coisa
Você sabe como é:

Se eu olhar para a lua cristalina,
para o galho avermelhado do lento outono pela minha janela.
Se eu tocar, próximo ao fogo, a intocável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,

tudo me leva a você,
Como se tudo o que existe: perfumes, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam rumo às tuas ilhas que esperam por mim.

Bem, agora,
se pouco a pouco você deixar de me amar
eu deixarei de te amar, pouco a pouco.

Se, de repente, você me esquecer,
não me procure,
porque eu já terei te esquecido

Se você pensa que é longo e furioso o vento que passa pelas
velas da minha vida
e decidir me deixar na praia do coração, onde tenho raízes,
lembre-se:
que nesse dia, nesta hora, eu levantarei meus braços
e minhas raízes partirão para buscar outra terra.

Mas, se a cada dia, a cada hora,
você sentir que é destinada a mim,
com implacável doçura,
se a cada dia uma flor escalar os seus lábios à minha procura,

Aahh meu amor, aahh meu próprio eu,
em mim todo aquele fogo reacenderá,
em mim nada é extinto ou esquecido,
meu amor se alimenta do seu amor, amada.
E enquanto você viver, estará você em seus braços,
sem deixar os meus...

_Pablo Neruda

Ouça também a recitação do poema:



Veja também a recitação do poema " Meus Oito Anos" do ilustríssimo Cassimiro de Abreu:

Recitação dos meus poemas autorais:

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Ausência

Eu vou deixar que morra em mim,
O desejo de amar teus olhos que são doces,
Porque nada poderei te dar,
Senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto,
E em minha voz, a tua voz
Não te quero ter,
Porque em meu ser tudo estaria terminado,
Quero que só surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada,
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei,
Tu irás e encostarás tua face em outra face,
teus dedos enlaçarão outros dedos,
E tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
Porque eu fui o grande íntimo da noite,
Porque eu encostei a minha face na face da noite, e ouvi sua fala amorosa,
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço,
E eu trouxe até a mim, a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais do que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, dos céus, das aves, das estrelas,
Serão a tua voz ausente,
A tua voz presente,
A tua voz serenizada 

_Vinicius de Moraes

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Vou eu casar um dia?

Entrar de mãos dadas na igreja.
Esperar com um sorriso nos lábios
A sua chegada num fato clássico
A desfilar entre o encarnado
E o espanto dos convidados.

Será que vou poder trocar votos
Num altar rodeado de rosas encarnadas?
Beijar os teus lábios
Como se fosse o primeiro encontro.
Sentir o meu coração explodir.

Sair da capela medieval
Sobre uma chuva de arroz
Sobre a proteção de arco-íris
Sobre a aceitação da sociedade.

E viver feliz para sempre
Longe de preconceito
Longe da intolerância
Longe das fobias.

_ Micael Gomes

Poeta Ambulante - Micael Gomes


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

3ª Do Plural

Corrida pra vender cigarro
Cigarro pra vender remédio
Remédio pra curar a tosse
Tossir, cuspir, jogar pra fora

Corrida pra vender os carros
Pneu, cerveja e gasolina
Cabeça pra usar boné
E professar a fé de quem patrocina

Eles querem te vender
Eles querem te comprar
Querem te matar de rir
Querem te fazer chorar

[...]

Corrida contra o relógio
Silicone contra a gravidade
Dedo no gatilho, velocidade
Quem mente antes diz a verdade

Satisfação garantida
Obsolescência programada
Eles ganham a corrida
Antes mesmo da largada

Eles querem te vender
Eles querem te comprar
Querem te matar a sede
Eles querem te sedar

[...]

Engenheiros do Hawaii